O que corpo envelhece, e o que adianta?

Fui educada pelos meus pais para preservar mais minha mente do que meu corpo. Isso não significa que eu não tenha que ter cuidado com ele, me alimentar de forma saudável e praticar exercício, seja da forma que for, nadando, dançando, malhando e qualquer outro jeito de manter o corpo ativo. Enquanto crescia, meu pai costumava falar "Mente sã, corpo são" e me recordo de repetidas vezes ele proferir logo em seguida em latim "Mens sana in corpore sano, assim que tem que ser", talvez a única frase que ele conheça nesse idioma. 

Meus pais são as pessoas que mais valorizam a educação. Minha mãe fez Magistério e dava aulas para crianças quando mais nova. Enquanto meu pai não foi para a universidade, seu trabalho na Marinha ocupava todo seu tempo, mas ele sempre me disse que gostaria de ter sido professor de matemática – o que me faz sentir certa vergonha, por ser tão ruim na matéria que ele mais se saía bem. Fato é que se sou quem sou, devo a eles. Nunca serei grata o suficiente por todos os sacrifícios que eles fizeram pela minha educação, por admirarem minha curiosidade por aprender, que puxei deles, e por toda a compreensão do meu pai, em específico, pela minha apatia à matemática.

Então, crescendo rodeada por todos os estímulos, eu não poderia ter crescido mais impulsionada para exercitar meu cérebro das diferentes formas que quisesse. Meu pai, ainda hoje, me alerta para a necessidade em não "engravidar pelo ouvido", basicamente, não escutar e aceitar a opinião dos outros como verdades absolutas e sim procurar formar a minha própria. E isso para todos os assuntos, questões e dilemas. 

Pois bem, tendo todos esses ensinamentos de consciência quanto ao cultivo da minha mente e que ainda que o corpo seja nossa morada, ele não é a única coisa a se preocupar, eu deveria ser mais confiante, não é? Quando foi que me tornei tão suscetível a acreditar que os meus traços corporais são feios baseado em uma ilusão de corpo perfeito imposta por outras pessoas?

A verdade é que quando paro para refletir sobre meu corpo, acho interessante cada pequena parte dele, gosto da gordurinha acumulada logo abaixo da bunda, gosto dos meus seios, gosto do meu nariz, gosto de cada singularidade. Então por que me sinto tão insegura?

Refletindo sobre isso, percebi que minha insegurança vem de um lugar muito particular e esbarra na forma como os outros possam me ver. Não é doido isso? O que os outros possam ver e pensar. Não o que eles vão, mas o que eles podem. E, nisso, eu já imagino as piores realidades possíveis.

Uma vez conversando com a minha mãe sobre todas essas inquietações, ela olhou para mim e disse "o corpo envelhece, então o que adianta se preocupar tanto com as imperfeições que você enxerga nele e o que alguém vai pensar?". Ela me falou sobre a importância de se manter saudável, ativa e cuidar do nosso corpo, mas que as minhas preocupações sobre formatos, estrias e o que mais eu pense, são momentâneas.

Momentâneo. Efêmero. São sinônimos que gosto muito. A vida é assim. Então por que a gente se preocupa tanto se o que existe agora não é o que vai existir no futuro?

Há pessoas com distúrbios alimentares graves por causa de como a sociedade nos faz sentir sobre nossos corpos. Se eu que não sou gorda, sinto os efeitos da pressão estética, imagina uma pessoa gorda, que sofre duplamente com a pressão e opressão, tanto no âmbito emocional quanto na vida social, nos ônibus que pega, no trabalho, em festas.

E o quão errado é essa crítica toda em cima de nossos corpos?

Eu que fui criada para entender que o corpo é importante, mas não nos resumimos a ele, me sinto insegura, então como deve se sentir quem está sofrendo com opressões estéticas no seu dia-a-dia? E quem luta contra os distúrbios alimentares (seja magra, seja gorda)? Essas pessoas não deveriam ter que escutar que os corpos delas seriam "mais bonitos", se fossem de tal jeito, mas escutam e isso agride.

É preciso tratar o corpo como algo que cresce e envelhece, que terá rugas, estrias, flacidez. Sinto que há um medo geral sobre o envelhecimento, principalmente o feminino. A mulher, da adolescência à velhice, está subordinada aos olheiras e à crítica. Odiamos o que é natural e isso é tão agressivo.

Bocas, narizes, bundas, barrigas, sobrancelhas e quaisquer outros detalhes "defeituosos" dos nossos corpos estão ficando iguais. Até onde isso é saudável? É terrivelmente sem sentido anularmos a nossa singularidade para nos parecermos com outra pessoa apenas para sermos aceitos pelos olhares alheios.

É pensando por meses seguidos justamente sobre isso que tenho cada vez mais seguido em minhas redes sociais mulheres reais de todos os jeitos, formatos e tamanhos. Mulheres cuja cabeça admiro, mais que seus corpos. Assim, eu consigo manter como lembrete o ensinamento dos meus pais de que, realmente, há muito mais para se perceber, muito mais a se admirar.

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