O relato de um suicida

(Foto: Marcelha Pereira)

 Eu cometi suicídio, e me arrependo amargamente. 

Ocorreu em uma tarde de outubro e meus pais haviam saído de casa para ir ao supermercado, fui à cozinha, peguei uma faca e sem pensar duas vezes a enfiei no meu peito. A dor foi horrível. O tempo parou, eu pude sentir cada milímetro daquela faca me perfurando e ver o sangue saindo. Não demorou muito tempo até que eu ficasse sem forças, meus olhos fechassem, minha respiração falhasse e eu não tivesse mais consciência de nada. NADA.

A morte não é ruim, mas eu me arrependo de tudo o que eu poderia ter feito e dos lugares que eu poderia visitar. Arrependo-me de não poder saborear o gosto do bacon em minha boca mais uma vez, de dar um abraço forte em minha mãe e de gargalhar mais uma vez com os meus amigos. Arrependo-me de não exercer a profissão que escolhi com tanto gosto desde os meus dezesseis anos. Arrependo-me de ter negado a ajuda de quem queria ajudar. 

Depois da morte conheci algumas pessoas que disseram que fizeram tudo o que gostariam de fazer e se sentiam felizes por finalmente poderem descansar sozinhos e em paz. Outros me contaram que sofriam tanto com determinada doença que a morte foi a melhor coisa que poderia ter acontecido, a dor e a angústia deram lugar a paz e a felicidade. E bem, aqui estou eu: não aproveitei nada, não me livrei de doença alguma e desperdicei uma chance de ver o nascer do sol novamente. 

Meu amigo, escute-me, nenhuma mágoa é pior do que aquela de saber que não aproveitou tudo o que poderia vir a aproveitar. Sinto que saí do jogo sem tentar ganhá-lo. Vá por mim, eu sei do que eu estou falando, a morte é linda, mas só quando ela chega naturalmente. A sua vida pode parecer a pior possível, mas ela continua valendo a pena por algum motivo. Seja por um cachorro, um amigo, algum sonho que queira realizar, ela sempre vai valer o esforço por se manter vivo mais um dia.

Acredite, antes de me matar eu tentei três outras vezes, vezes estas totalmente falhas, nas quais me sentia ainda pior quando não conseguia. O meu sofrimento foi grande, mas mesmo assim eu digo que teria valido a pena suportá-lo. Ter encontrado a válvula de escape em outros lugares. Em uma pequena felicidade diária ou um sorriso cúmplice de algum total desconhecido. Ela teria valido a pena se eu tivesse tentado mais uma vez e dado a oportunidade de a vida me mostrar coisas melhores àquelas que eu vivia. Teria valido toda a angústia que sofria enquanto permanecia vivo, porque coisas boas apareceriam - e eu só tive a certeza de que elas viriam quando já era tarde. Se eu tivesse esperado o dia seguinte, o mês seguinte, o ano seguinte, a década seguinte. Teria valido. Por isso digo para você que está me lendo: tente não se matar hoje, deixe para amanhã.

Comentários

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    1. Não sei quantas vezes terei que repetir, mas continuo a dizer que sua opinião sobre os meus textos me deixam infinitamente feliz.

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